Shemirat ha'lashon – "guardar a língua” – Votos
Os nossos sábios costumavam ensinar que as palavras que falamos – boas ou más – chamam por uma resposta no “reino espiritual”. Isto é sugerido pela palavra hebraica para ‘coisa’ (ie, Davar: דָּבָר), que também significa ‘palavra’. Ouçamos as palavras que saem do nosso interior e procuremos entender que elas são Devarim, ‘coisas’ (דברים) que estão definindo o rumo da nossa vida agora. Nossos pensamentos e as palavras “exalam” o sopro de D-us que foi dado a cada um de nós. Em um sentido muito real, elas são “orações” que estamos constantemente oferecendo.
Nossa porção de leitura da Torá desta semana (números 30:2 a 36:13) nas Sinagogas ao redor do mundo começa com Moisés instruindo os líderes das tribos, dizendo: “Se uma pessoa fizer um voto (נֶדֶר) … não violará a sua palavra, mas ele deve fazer de acordo com tudo o que ele disse:” (Números 30:2). Nota-se que a expressão ‘quebrar a sua palavra’ significa literalmente ‘profanar (חָלַל) a sua palavra’, o que implica que quebrar uma promessa é um tipo de contaminação “espiritual”… Se não honrarmos e respeitarmos as nossas palavras, perdemos um senso de significado e substância do que dizemos e pensamos e nos tornarmos instáveis.
Essa ‘instabilidade’ na alma leva-nos à vergonha, pois sem convicção interior nos tornamos interiormente divididos e fragmentados, de modo que já não há convicção em nós mesmos… Ser honesto (יָשָׁר) implica que o que dizemos e o que queremos dizer estão unificados. Uma pessoa Yashar (honesta) não joga com as palavras, mas entende que a comunicação é um dever sagrado…
Devemos ter cuidado com as nossas palavras, para que não enganemos ou iludirmos os outros. Isto é chamado Shemirat ha’lashon (שְׁמִירַת הַלָּשׁוֹן), ou em português “guardar a língua”. O Messias Yeshua nos alertou para não fazermos juramentos formais, mas em vez disso sermos de confiança em nossas palavras: deixe o seu “sim” querer dizer sim, e o seu “não” querer dizer não… No Talmud encontramos este mesmo principio rabínico ensinando que;… ‘não’ é um juramento e ‘sim’ é um juramento. ‘Nossas palavras devem ser consideradas como algo sagrado, como uma expressão da verdade’. D-us nos fez promessas invioláveis, e nós somos nunca devemos jogar com isso. Assim como a palavra DEle é sagrada, por isso, devemos nos esforçar para sermos sagrado em nosso falar, também ….
Na Torá D-us nos instrui: ‘Você não deve colocar uma pedra de tropeço (מִכְשׁוֹל) diante do cego’ (Lev. 19:14). Além de seu significado literal, a palavra ‘cego’ em seu sentido figurado refere-se a uma pessoa inconsciente de todos os fatos e que, portanto, é vulnerável.
Alguém que desvia o ‘cego’ o engana, isso viola o mandamento (Mitzvá) de ‘não dirás falso testemunho’ e também o ‘não roubarás’ (Êxodo 20:16, 23:1). Tal engano é chamado Genevat da’at (גְּנֵבַת דַעַת), ou “roubar conhecimento”, uma vez que defrauda a confiança da outra pessoa.
Por exemplo, é prática comum para muitos divulgar apenas o que eles acham que os outros precisam saber e, portanto, eles oferecem versões incompletas da verdade por causa de seus próprios interesses egoístas. Mentir para os outros é uma violação, então, atinge tanto o mandamento de não roubar, o mandamento de não dirás falso testemunho. (Salmos 120:2)
Os sábios rabinos da antiguidade ensinavam que a virtude da Eminut (אֲמִינוּת), ou confiabilidade, começa com ‘aprender a confiar nos outros’… Os pais são, portanto, responsáveis por cumprir os seus compromissos para com os seus filhos. O Rabino Zera ensinava: ‘Não se deve dizer a uma criança: Vou dar-lhe uma coisa e então não fazê-lo, uma vez que ensina a criança a mentir’ (Talmud; Suka 46b).
As pessoas aprendem a mentir a partir de um sentimento de traição, da incompatibilidade entre as palavras professadas e realidade. A quebra de confiança leva ao uso evasivo das palavras para nos proteger.
Nós dizemos aos outros o que nós pensamos que eles querem ouvir ou que enganá-los nos mantém seguros. Pois quebrar promessas fere outros, e assim nós ou nossos filhos… podemos nos tornar ‘duros de coração’, desconfiados e com medo de intimidade, com o resultado da traição ou quebra de promessas.
Durante suas palestras sobre os valores judaicos, o Rabino Joseph Telushkin (1948 – EUA) perguntou ao seu público se eles poderiam ficar 24 horas sem dizer algumas palavras indelicadas ou negativas sobre algo, ou, qualquer um. A maioria das pessoas disse que não, eles não poderiam. Então Rabino Telushkin os elogiou por sua honestidade, mas, em seguida, apontou que, se ele lhes perguntasse; se eles poderiam ficar de 24 horas sem beber álcool ou fumar e se eles também dissessem que não podiam, isto não significaria que eles têm um sério problema com o vício ou alcoolismo? (do Livro Palavras que ferem palavras que curam)… Seu ponto foi que, se nós não podemos ficar 24 horas sem dizer palavras duras, negativas sobre os outros, coisas e ate sobre nós mesmos, nós perdemos o controle sobre a nossa língua, conseguintemente estamos viciados na maledicência.
Como O Messias ensinou; a língua expressa à condição do coração (ou seja, das emoções, desejos, vontades), pois “da abundância do coração fala a boca.”
Portanto, a raiz do problema refere-se ao coração – Lev (לֵב), ou seja, o ‘âmago’ das vontades, desejos, emoções e como escolhe interpretar e descrever o mundo ao seu redor. Se optarmos por ver a partir do ‘coração de medo’, nós tendemos a usar as nossas palavras como uma arma, mas se virmos com um ‘coração de fé’, vamos estender a compaixão e procurar edificar outros e a nós mesmos…
No Livro de Provérbios, lemos: “Quando as palavras são muitas, a transgressão não falta, mas quem refreia seus lábios é sábio” (provérbios 10:19). O Chofetz Chayim (1838-1933 Polônia) ensinava: “Quando as pessoas estão preparando uma carta, observe como eles consideram cuidadosamente cada palavra antes de colocá-las. É assim que devemos ser cuidadosos quando falamos.”… Como o Emissário Tiago (שליח יעקב) nos advertiu: “Que cada pessoa seja pronta para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1:19).
Desde que as palavras muitas vezes representam os pensamentos, o uso de nossa língua tem a ver com a forma como nós escolhemos pensar… “Pense sobre estas coisas…” Somos instruídos a “levar cativo todo pensamento” (αἰχμαλωτίζω, ou seja, levar para longe como um prisioneiro, uma quarentena)… É sábio conter nossos discursos, porque, afinal de contas, muitas vezes não temos a mínima idéia do que estamos falando, e, portanto, nossas palavras podem tornassem incontroláveis e até mesmo perigosas. Sempre que abrimos a nossa boca para falar, “Os Céus” estão escutando (Mateus 12:36-37).
Nossas palavras surgem a partir de uma fonte e raiz subjacente: ‘Digo-vos, no dia do juízo, as pessoas vão dar conta de toda palavra frívola (πᾶν ῥῆμα ἀργὸν) que falaram, porque por tuas palavras serás justificado e, pelas tuas palavras será condenado’ (Mateus 12:36-37).
Primeiro, note que a frase traduzida como “toda palavra frívola” pode ser lida como “cada palavra ‘sem função’, isto é, cada palavra vã ou vazia, impensada, cada promessa quebrada, cada enunciado falso, e assim por diante…
Em segundo lugar, note que há uma relação entre ‘nomear’ e ‘ser’ no pensamento hebraico (e bíblico), e na verdade a palavra hebraica Davar (דּבר), normalmente traduzido como ‘palavra’, literalmente também pode significar ‘coisa’. Isto sugere que as nossas palavras definem a realidade – não em sentido absoluto, é claro – mas em termos de nossa perspectiva e atitude, e por isso somos responsáveis perante Adonay (Salmo 19:14).

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