O Paradoxo da Teologia Judaica Moderna
Enquanto o Judaísmo moderno rejeita o Cristianismo por ser “incompatível” com a fé bíblica, uma análise interna revela uma crise de identidade sobre a própria natureza de Deus.
Por Magno Lima
Se você perguntar a um grupo diversificado de judeus modernos qual a opinião deles sobre o Cristianismo e a teologia cristã, receberá uma ampla gama de respostas. Alguns serão caridosos e respeitosos, mas a maioria cairá em um meio-termo de rejeição confiante. Você ouvirá que o Cristianismo é “equivocado”, “tolo” ou, o mais comum: “obviamente não bíblico”. Alguns irão além, chamando-o de pagão e incompatível com a fé judaica.
No entanto, aqui é onde a situação fica interessante. Se você pegar esse mesmo grupo de judeus — de várias comunidades e níveis de observância — e perguntar sobre a teologia deles, sobre a natureza do próprio Deus, encontrará uma discordância ainda maior do que suas opiniões sobre Yeshua.
Não estamos falando de sutilezas filosóficas. Estamos falando de definições radicalmente diferentes sobre quem ou o que Deus é. Isso levanta uma questão óbvia, mas raramente feita: Se o Judaísmo é supostamente o guardião da pura teologia bíblica, por que ele é tão fraturado?
Existe um velho ditado: “Dois judeus, três opiniões”. Mas quando o assunto é a natureza do Eterno, essas opiniões não são apenas diversas; elas são, muitas vezes, mutuamente exclusivas. Vamos analisar as três principais correntes que tentam definir Deus no Judaísmo Rabínico e como elas se contradizem.
1. O Deus da Bíblia Hebraica (Tanakh)
Primeiro, temos o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Este é um Deus pessoal. Ele fala, escuta e age. Ele forma alianças, intervém na história e julga nações. O Deus da Torá é descrito em termos interativos: Ele mostra “ira”, expressa “compaixão” e caminha com Adão. Não há distanciamento filosófico aqui; Ele é um Deus que Se revela.
Muitos judeus simples ainda veem Deus dessa forma bíblica e literal. Mas, ao olharmos para a teologia rabínica desenvolvida, essa imagem muda drasticamente.
2. O Deus dos Filósofos (Maimônides/Rambam)
Avance cerca de mil anos após a destruição do Templo e encontramos Maimônides (o Rambam). Para ele, influenciado profundamente pela filosofia aristotélica, Deus é totalmente incompreensível. Ele não tem atributos, nem emoções, nem forma.
Segundo Maimônides, dizer “Deus é misericordioso” ou “Deus está irado” é apenas uma metáfora para acomodar o entendimento humano. Para ele, o Deus bíblico que interage e sente é uma impossibilidade filosófica. O Rambam chega a sugerir que Deus não recompensa ou pune diretamente; Ele apenas estabeleceu leis naturais de causa e efeito.
Aqui já temos uma tensão massiva: O Deus vivo da Bíblia versus o “Motor Imóvel” abstrato e intocável dos filósofos.
3. O Deus dos Místicos (Cabalá e Hassidismo)
Então, entra a tradição Cabalística, que vira a mesa novamente. A Cabalá introduz o conceito de Ein Sof (o Infinito), tão transcendente que não pode ser nomeado. Para conectar esse Deus oculto ao mundo, surgem as Sefirot (emanações místicas). De repente, Deus não está engajando diretamente com a humanidade, mas sua energia flui através de canais místicos complexos.
O Hassidismo leva isso ainda mais longe, flertando abertamente com o panteísmo. Mestres hassídicos ensinam que “tudo é Deus e Deus é tudo”. Como explica o Rabino Y.Y. Jacobson e outros estudiosos, a ideia é que não há separação real entre Criador e criatura; nós somos manifestações de Deus. Isso soa muito mais próximo de conceitos orientais de “Maya” (ilusão) do hinduísmo do que do monoteísmo da Torá.
O Padrão Duplo
Aqui reside a grande ironia. Temos racionalistas aristotélicos, místicos gnósticos e panteístas hassídicos sob o mesmo guarda-chuva do “Judaísmo”. Suas visões sobre Deus são contraditórias. Maimônides consideraria a Cabalá moderna como heresia ou idolatria. No entanto, hoje, essas visões coexistem. Rabinos dizem: Elu v’elu divrei Elohim chayim (“Estas e aquelas são palavras do Deus vivo”), evitando confrontar a contradição.
Eles se aceitam mutuamente como “autenticamente judeus”, apesar de suas teologias serem inconciliáveis. No entanto, esses mesmos grupos se unem para declarar confiantemente que o Cristianismo e a fé em Yeshua são inválidos e “não judaicos”.
Com que base?
Se o Judaísmo tolera e abraça ideias de Deus que variam do racionalismo frio ao panteísmo místico, como pode atacar a teologia messiânica/cristã? Especialmente quando consideramos um fato histórico crucial: A teologia do Novo Testamento (Brit Chadashah) preserva um entendimento de Deus muito mais próximo do Deus de Abraão, Isaque e Jacó do que as invenções filosóficas de Maimônides ou as especulações esotéricas do Zohar.
Talvez seja hora de o mundo judaico aceitar que a polêmica anticristã começou de má-fé. Se você afirma ter a verdade sobre Deus, mas não consegue definir quem Ele é sem colapsar em contradições internas, talvez não tenham sido os seguidores de Yeshua que distorceram a imagem de Deus.
Como judeus messiânicos, cremos no Deus que se revela, que interage e que, supremamente, se fez acessível através do Messias, em perfeita harmonia com a revelação dos Profetas, e não dos filósofos.
Este artigo é uma reflexão baseada nas inconsistências teológicas observadas no discurso religioso moderno.


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